O abandono de lar é uma situação que gera muitas dúvidas, especialmente no que diz respeito aos direitos dos envolvidos. Em muitos casos, quando um dos cônjuges ou companheiros decide sair do imóvel familiar, surge a questão: ao abandonar o lar, a pessoa perde seus direitos sobre o imóvel ou sobre os bens ali presentes? Este artigo visa esclarecer as principais questões relacionadas ao abandono de lar e os direitos de quem se ausenta do imóvel.
O que caracteriza o abandono de lar?
Antes de discutirmos os direitos relacionados ao abandono de lar, é importante entender o que configura essa situação. O abandono de lar ocorre quando um dos cônjuges ou companheiros decide deixar o lar conjugal sem uma justificativa válida, o que pode ocorrer de maneira abrupta ou gradual. Esse comportamento, muitas vezes, é motivado por desentendimentos no relacionamento, falta de comunicação ou até mesmo conflitos mais graves, como violência doméstica.
No entanto, é importante destacar que o abandono de lar não significa, necessariamente, o término do vínculo conjugal ou da união estável. O abandono pode ser temporário, mas mesmo assim, pode gerar consequências jurídicas importantes para quem decide deixar o imóvel.
Prazo para ser considerado abandono de lar
A questão do abandono de lar assume uma nova perspectiva com a possibilidade de usucapião familiar, prevista no artigo 1.240-A do Código Civil, introduzido pela Lei nº 12.424/11. Essa modalidade de usucapião permite que o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel, após o abandono do outro, possa adquirir a propriedade do bem. Para que o usucapião familiar seja configurado, é necessário atender a alguns requisitos:
- O imóvel deve ser urbano e ter até 250 m².
- O cônjuge que permaneceu no imóvel deve usá-lo exclusivamente para sua moradia ou da sua família, durante dois anos ininterruptos, sem a oposição do cônjuge que abandonou.
- O cônjuge ou companheiro que ficou no imóvel não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Portanto, o usucapião familiar só é possível quando o cônjuge que ficou no imóvel exercer posse direta e exclusiva sobre o bem, sem que haja contestação por parte do outro cônjuge, durante o período de dois anos. Isso significa que a mera saída do lar não resulta em perda automática dos direitos sobre o imóvel, mas pode ser um fator que, em situações específicas, permite a aquisição da propriedade por quem permaneceu no local.
Requisitos para o abandono de lar
Para que o abandono de lar seja caracterizado, alguns requisitos devem ser observados:
- Ausência de justificativa válida: A pessoa deve sair do lar sem um motivo legalmente aceitável, como situações de violência doméstica ou a necessidade de cuidados médicos.
- Intenção de não voltar: O abandono de lar é caracterizado pela intenção de não mais retornar ao local, o que pode ser evidenciado por uma mudança de endereço, ausência prolongada ou por declarações do cônjuge ou companheiro.
- Prejuízo à convivência familiar: A saída do imóvel deve prejudicar a convivência familiar ou o cumprimento dos deveres conjugais, como a coabitação e a assistência mútua.
Abandono de lar x separação do casal
É fundamental entender a diferença entre abandono de lar e separação do casal. O abandono de lar é uma atitude unilateral de um dos cônjuges ou companheiros, sem o consentimento ou o conhecimento do outro, caracterizando um rompimento da convivência familiar de forma abrupta. Já a separação, seja ela judicial ou extrajudicial, é um processo formal, que visa a dissolução do casamento ou da união estável, com a devida partilha de bens, definição de guarda de filhos e questões patrimoniais.
Ao contrário do abandono de lar, que ocorre sem a formalização do fim do relacionamento, a separação envolve uma decisão jurídica, que deve ser homologada pelo juiz. A separação, portanto, implica o reconhecimento legal do término da relação e a definição de direitos e deveres de cada parte, ao passo que o abandono de lar pode ocorrer sem a dissolução do vínculo.
Uma pessoa que abandona o lar sem a devida formalização pode, inclusive, ser obrigada a voltar para o imóvel, caso o outro cônjuge ou companheiro o solicite judicialmente. Além disso, em casos de abandono, a parte que permaneceu no imóvel pode reivindicar direitos exclusivos sobre a moradia e outros bens, dependendo da situação e do regime de bens.
Direitos sobre o imóvel: quem tem direito de permanecer no lar?
No Brasil, os direitos relacionados ao imóvel onde o casal ou a família reside estão regulamentados pelo Código Civil. Quando se trata de união estável ou casamento, ambos os cônjuges ou companheiros têm direitos sobre o lar, independentemente de quem esteja efetivamente morando no imóvel.
Se o casal ou a união estável for desfeita, a divisão do imóvel e dos bens será feita com base no regime de bens adotado. Em um regime de comunhão parcial, por exemplo, o imóvel adquirido durante a convivência é considerado bem comum e, portanto, ambos os cônjuges ou companheiros têm direito a uma parte dele, mesmo que um deles tenha saído do lar.
Abandono de lar e a perda de direitos
Agora, o questionamento mais comum é: ao abandonar o lar, a pessoa perde seus direitos sobre o imóvel e sobre os bens? A resposta não é simples e depende de vários fatores. Em termos gerais, a saída do imóvel não implica automaticamente na perda dos direitos do indivíduo sobre a casa ou sobre bens adquiridos durante o relacionamento.
O Código Civil Brasileiro estabelece que a convivência contínua e a mútua assistência são princípios importantes em uma união estável ou casamento. Dessa forma, se a pessoa decide sair do lar sem uma justificativa legalmente aceita (como agressões físicas ou psicológicas), ela pode ser considerada responsável pelo abandono do lar. No entanto, isso não significa que a saída do imóvel resulta na perda dos direitos sobre os bens, que serão devidamente divididos no momento da dissolução da união, com base no regime de bens escolhido pelo casal.
É importante destacar que, em alguns casos, o abandono do lar pode ser usado como argumento para a desconsideração dos direitos sobre o imóvel, principalmente se a pessoa deixar de cumprir com suas obrigações no relacionamento, como a convivência e o auxílio mútuo. Além disso, se o cônjuge ou companheiro que ficou no imóvel continuar a residir ali e cuidar dos bens, ele pode ter a preferência na manutenção da posse do imóvel até que o processo de divisão de bens seja formalizado.
Situações excepcionais: violência doméstica e abandono de lar
Em casos de violência doméstica, o abandono do lar pode ter uma interpretação diferente. Se a pessoa sai do imóvel por questões de segurança ou para se proteger de agressões, a lei reconhece que não houve abandono no sentido jurídico. Nesses casos, a vítima de violência doméstica não perde seus direitos sobre o imóvel ou sobre os bens adquiridos durante a convivência.
A Lei Maria da Penha, por exemplo, prevê que, em situações de violência, a vítima pode permanecer no imóvel familiar, mesmo após a saída do agressor. O agressor pode ser obrigado a deixar a residência e não tem mais o direito de reivindicar a posse do imóvel. Nesse contexto, a vítima não perde seus direitos ao imóvel, independentemente de ter saído temporariamente dele.
Conclusão
O abandono de lar não implica automaticamente na perda de direitos sobre o imóvel ou sobre os bens adquiridos durante a convivência. Embora a saída do imóvel possa ter implicações jurídicas em casos de dissolução da união ou casamento, ela não resulta, por si só, na perda dos direitos patrimoniais. A divisão de bens será feita de acordo com o regime de bens escolhido, e a convivência contínua e a assistência mútua são fundamentais para a manutenção dos direitos de cada parte.
Em casos de violência doméstica, o abandono de lar pode ser justificado e não resulta na perda de direitos. Cada situação deve ser analisada de acordo com suas peculiaridades, e é sempre recomendável buscar a orientação de um advogado especializado em direito de família para entender as implicações jurídicas do abandono de lar em sua situação específica.
Se você está passando por um momento de dúvida sobre o abandono de lar ou qualquer outra questão relacionada ao direito de família, nossa equipe de profissionais está à disposição para prestar a assistência necessária.